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Dom Casmurro: metáfora do mesmo

A maioria dos professores, levados pelas exigências de um conteúdo enorme e de um tempo milimetricamente controlado, mais apresentam que discutem os conteúdos de suas matérias. Para mim isso é um purgatório. E eles devem sentir o mesmo que eu. Coisa gostosa que acontece em aula é discussão. Por isso, quando um dos meus alunos me pediu um pequeno escrito sobre o livro Dom Casmurro, decidi fazer o que gosto: discutir Literatura. Os professores não devem deixar a curiosidade de seus pupilos esmaecer. Quero falar sobre o livro, não apresentá-lo como o fazem os resumos. Sei que meu aluno está (também) preocupado com o FUVEST/UNICAMP 2009, mas aqui eu vou mostrar-lhe (e para você, meu caro leitor) por que adoro esse livro. Começo dizendo que nessa obra, o escritor Machado de Assis provoca uma coisa muito estranha em nossa mente: ele coloca sob suspeita o conceito comum que temos de realidade. Como em toda narrativa, Machado de Assis inventa um personagem (Bento de Albuquerque Santiago) e o coloca para viver sua vida. Os ?grandes momentos? dela são, na verdade, corriqueiros e simples. Passou a infância morando ao lado da menina Capitolina, pela qual se apaixonaria. Quase virou padre. Estudou direito. Virou advogado. Casou. Teve um filho. Separou-se discretamente. A mulher, que passou a morar na Suíça, morreu. O filho também morreu. A separação do casal ocorrera por causa de uma desconfiança. Ele imaginou-se traído. A esposa teria tido um caso amoroso com seu amigo Escobar. O filho Ezequiel pode ter sido o resultado dessa relação extraconjugal, pois, na opinião do narrador, o menino se parece demais com o amigo. Outro fato que denunciaria a paixão proibida de Capitu por Escobar foi o comportamento dela no enterro do amigo: chorou de forma contida, como uma viúva. Bentinho entendeu que a intensidade de seu sofrimento era uma declaração de culpa. Episódio trivial, sem grandes lances dramáticos. O interessante é que tudo isso ficaria perdido na poeira do tempo se ele não tivesse se proposto escrever o livro que nós lemos: o Dom Casmurro. A literatura salvou Bentinho e Capitu do anonimato. No momento da narrativa, Bento está velho e só. Lembra-se, com alguma dificuldade, dessa vida pouco eletrizante. Não houve lances heróicos, não libertou povos nem planetas como acontece com os livros românticos. A verdade é que ele escreve para ele mesmo entender um pouco o que fizera de sua vida. Por isso, podemos dizer que lemos é uma espécie de autobiografia. A narrativa nos coloca diante da memória do protagonista. O ponto nevrálgico de toda a problemática está justamente nesse fato. O livro que se lê é a descrição das lembranças do personagem. É fundamental destacar que ele não está vivendo as coisas que narra. As imagens estão lá na cabeça dele e jamais saem dela. Todas as palavras escritas no livro são do narrador. O leitor é convidado a mergulhar no universo psicológico de Bentinho. Não existe nada orientando essa aproximação. A constatação disso é terrível, pois o sofrimento de Bentinho é inegável. Se ele esteve errado ao decidir os rumos de sua vida, ele deveria ter uma segunda chance de ser feliz. Pois ele não teve tempo de ensaiar para viver. Teve que ir levando-a, da infância até a velhice, arcando com as conseqüências dos seus próprios erros. Sem saber o que estava correto, ou o que deveria ser feito em cada uma das situações. É uma pessoa muito insegura. Por isso o livro nos passa uma impressão pouco animadora. O protagonista é muito parecido conosco mesmos. Sua história não nos oferece respostas para nos guiarmos em nossa própria existência. Ele toma decisões em cima das poucas informações que consegue extrair da realidade. Seu livro busca justificar sua trágica decisão de condenar a esposa. Para viver um pouco melhor sua casmurrice, ele ?tem? que transformar essas informações em elementos mais que suficientes para se inocentar de um possível engano. Nesse momento a Literatura de Machado de Assis exige um leitor experiente e adulto. Porque temos que observar seu livro criticamente. Convenhamos, a semelhança física e psicológica do filho com o amigo e o choro contido de Capitu não são provas muito seguras de uma traição e de uma separação que condenou tantas pessoas à infelicidade. Não podemos aceitar tudo que o narrador sugere nas entrelinhas de sua história. O problema é que a insegurança de Bentinho está aliada a uma grande habilidade nas artes da defesa jurídica. De maneira contraditória, a linguagem poderosa do advogado Bentinho acaba por nos envolver em grande dúvida. Não estaria a mente do homem de sentimentos frágeis gerando o equívoco que lhe separou da esposa? Isso é possível. Mas não há como saber ao certo a resposta porque não há um livro paralelo (um mapa) que nos oriente na leitura dele. Estamos imersos na mente de Bentinho e não temos nada que nos apóie nessa ou naquela decisão. Ficamos na mesma dúvida que ele. Que diferença tem a vida de Bentinho da nossa? Nenhuma, não é verdade? A nossa, como a dele, está também mergulhada nas realidades criadas em nossas mentes. Assim como não podemos sair da dele, também não podemos sair da nossa. Também não temos mapas para nos guiar. Bentinho é metáfora de uma incerteza que todos temos: será que nossa interpretação do mundo está correta? Será que nossa mente está nos levando para o caminho certo? Jamais saberemos, querido aluno. Precisamos de tempo para descobrir a resposta... E o tempo cobra muito caro para nos informar a verdade. Ele cobra nossa a própria vida. Isso não lindo? O Machado é tudo de bom, cara. Bem, meu caro aluno, nesse pequenino texto, segui o conselho que Padre Antonio Vieira dá aos oradores que desejam fazer um bom serviço: ?Há de tomar o pregador uma só matéria,?. Em outra oportunidade discutiremos por que Machado colocou o nome de Capitolina na esposa de Bentinho. Adoro falar disso também. Até lá... Dr. Paulo Custódio de Oliveira Professor de Literaturas na UNIJALES e no ANGLO

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